sexta-feira, 11 de novembro de 2011


CONCEITUANDO (IN)DISCIPLINA

 

                                                                                                                                                         MARIA ROSA G.  PAIVA


Tudo passa e tudo fica.
 Porém o nosso é passar,
Passar fazendo caminhos [...]
Caminhante, são tuas pegadas
 O caminho e nada mais;
Caminhante, não há caminho,
Se faz caminho ao caminhar.
Antonio Machado

 A questão da in(disciplina) dos alunos nas escolas é uma das questões mais preocupantes na educação nos dias de hoje. Este tema tem sido debatido, discutido e estudado por pesquisadores, estudiosos e especialistas de várias áreas do conhecimento, especialmente da educação, ligados diretamente as instituições escolares. O tema é tão polêmico quanto complexo que chega a ponto de muitos manifestarem incredulidade frente às possíveis mudanças nesse quadro assombroso que a cada dia tem se confirmado em concretude de atos que ultrapassam as barreiras da normalidade de comportamentos de pessoas civilizadas.
A dificuldade de definir indisciplina é o que provoca certas confusões no julgamento do comportamento de nossas crianças e jovens, deixando os educadores sem uma segurança na hora de fazer o enfrentamento a essas questões.
Sinalizar para uma compreensão mais coerente com a realidade em relação à complexidade e até, a ambigüidade do tema (in) disciplina é a proposta desse estudo em que a noção de indisciplina estará ligada à de disciplina.
 Para tanto se recorrerá primeiramente aos dicionários, posteriormente a alguns teóricos educadores, sociólogos e psicólogos para apresentar algumas considerações que possam contribuir para o esclarecimento do próprio conceito que os professores têm do que seja disciplina e sua negação, indisciplina dentro do contexto escolar.
As notas de análise aqui apresentadas sobre o conceito de (in) disciplina apenas anunciarão pensamentos iniciais sobre algumas alternativas de desenvolvimento conceitual que se abrirão.para reflexões Ainda que não se tenha a pretensão de elaborar um conceito exclusivo e determinado, mesmo porque as idéias a cerca desse fenômeno estão longe de serem consensuais, acredita-se que essa possibilidade analítica, mas restrita a apenas a alguns autores, nos permita refletir sobre uma das questões que inquieta a todos no cotidiano da escola; a indisciplina escolar.
Pode se constatar por meio da literatura existente que a análise do que vem a ser (in)disciplina é fortemente influenciada pela concepção de educação que os integrantes da escola apresentam. Implicam em preconceitos, valores, ética, em formação cultural e intelectual dos envolvidos no processo ensino aprendizagem. Isso não é estático, têm sido construído e transformado ao longo da história, recebendo influência da própria construção histórica do homem como ser sociocultural e político. Os modismos de épocas também influenciam neste contexto e contribuem para a construção de diferentes conceitos.
Em um estudo publicado na internet, realizado por Simon, Damke e Torres, o conceito de indisciplina escolar, aparece na literatura acadêmica a partir da década de 80. No entanto segundo (Aquino, 2003, p. 10) “esta temática tomou, entre nós, maior visibilidade a partir dos anos 90.” Quando começam a surgir publicações voltadas a ela. [...] não seria o caso de imaginar que a indisciplina não habitasse o imaginário pedagógico antes de então, mas é a partir desse momento que o tema desponta entre os educadores sob o timbre de “obstáculo” ou “complicador” do trabalho pedagógico. Desde então os conceitos de disciplina e indisciplina foram sendo considerados de diversas formas, em diferentes momentos e lugares, apresentando múltiplos níveis de significados e, portanto, podendo ser interpretados de diferentes maneiras, em cada época e em diversos contextos educacionais tendo se modificado muito nas últimas décadas. Porém, esta manifestação não surgiu isolada no ambiente da escola e, ao longo do tempo, vem demonstrando algumas relações com a organização escolar, com as práticas pedagógicas, com a autoridade docente, entre outras.
Para muitos professores indisciplina é simplesmente a conversa dos alunos. Logo a conversa em sala de aula passa ser sinônimo de indisciplina e por via oposta o silêncio acaba por caracterizar a idéia de sala disciplinada. Isto é muito preocupante porque é através de conversas que se aprende. É através de conversas que se dá uma das mais extraordinárias manifestações da inteligência humana, o conhecimento, única realidade que se multiplica quando é dividido.
Este conceito vai muito além do que os dicionários trazem. Ao consultar alguns, por constituírem em uma referência popular e de fácil acesso encontramos alguns conceitos.
Segundo o conceito descrito no Dicionário Aurélio da língua portuguesa tem por Disciplina e indisciplina:

 (Do lat. Disciplina) s.f. 1.  Regime de ordem imposta ou livremente consentida. Ordem que convém ao funcionamento regular duma organização (militar, escolar, etc.). Relações de subordinação do aluno ao mestre ou ao instrutor. Observância de preceitos ou normas. Submissão a um regulamento. (FERREIRA, 1999, p. 689)
Indisciplina: (De in2 + disciplina) S. f. Procedimento, ato ou dito contrário à disciplina; desobediência; desordem; rebelião. (FERREIRA, 1999, p. 1102).

Neste caso há dois aspectos importantes no conceito de disciplina:
a) A disciplina interna, pessoal, no campo da consciência e da moral, relacionada com atitudes interiores.
b) A disciplina externa, de caráter social, que preside e constitui as atitudes e comportamentos externos, no meio de um grupo ou comunidade.
Para que este último não se desvirtue e conserve seu caráter de meio educativo é necessário que se fundamente na disciplina interna, composta de decisões, propósitos, hábitos mentais e morais orientados reflexivamente para a ordem escolar, reconhecendo seu valor intrínseco.
Deduz-se que a disciplina não consiste apenas numa acomodação exterior e formalística às diretrizes e normas de um regulamento escolar. A disciplina supõe uma adesão interior, isto é, numa certa orientação consciente da vontade com relação aos hábitos individual e coletiva como válidos para atividade escolar.
Considera-se que a disciplina na escola, não poderia ser entendida como se tivesse uma finalidade educativa em si mesma, nem tanto, pode ser puramente exterior, baseado num conjunto de regras e condutas, normas hierárquicas e rígidas.
Quanto ao conceito de indisciplina, ela é entendida como conduta, ação que produz uma reação contraditória à disciplina, provocando tumulto, desarranjos naquilo que estava em ordem.
Amparando-se ainda no que os dicionários trazem buscamos o significado de disciplina e indisciplina no Mini dicionário Gama Kuryda da língua portuguesa, onde se lê por:

Disciplina: conjunto de prescrições destinadas a manter a boa ordem em qualquer organização; a boa ordem resultante da observância dessas prescrições; a instrução e direção dada por um mestre a seu discípulo; submissão do discípulo à instrução e direção do mestre; imposição de autoridade, de métodos, de preceitos; submissão ou respeito à um regulamento; (GAMA KURY, 2001,p.256).

Indisciplina: falta de disciplina, desordem, desobediência (GAMA KURY, p. 424)

Subentende que para que haja a ordem em qualquer organização escolar, a disciplina deve ser acompanhada de regras, normas que devem ser seguidas a risca conforme pré-estabelecidas, pois a boa ordem, (a disciplina) depende de como essas prescrições, (regras, normas) são observadas.
 No caso da indisciplina, esta se dá na ausência da disciplina, nas situações de conflito, na anarquia, o que ocasionará a desordem
Segundo Caudas Aulete,

Disciplina: Princípios de ordem estabelecidos para o funcionamento adequado de instituição, atividade etc, (disciplina militar); sujeição a esses princípios e sua observância, espontânea, ou imposta: A disciplina do atleta é rigorosa: Disposição e constância para realizar algo; persistência: É preciso muita disciplina para manter esta dieta (CALDAS AULETE, 2004, p. 278).
Indisciplina: Ato ou procedimento que contraria princípios de disciplina. (CALDAS AULETE, 2004, p. 445).

Percebe-se que os termos definidos nesses dicionários não significam somente um sentido negativo. São termos que apresentam aspectos diferentes entre si, permitindo que seus significados sofram mudanças, inclusive com relação ao seu oposto. Uma ação indisciplinada, portanto, não se define por si, mas pelo seu significado no contexto em que ocorre.
Além dessas definições simplistas do vocábulo, há outras formas de entendimento do significado bem mais complexos desses termos, os quais serão apresentados apenas pautados à instituição escolar.
Vários são os autores que conceituam essas terminologias, entretanto abordaremos alguns, como nos propomos a expor a seguir:
Dentre os pensadores contemporâneos que se preocuparam em estudar com mais profundidade este tema e que, portanto poderão nos subsidiar, destaca-se Foucaut, cujo estudo sobre a questão do poder e as modalidades pelas quais ele se organiza e é exercido em nossa sociedade, trazem valiosos subsídios à compreensão da disciplina enquanto prática escolar.
Para Foucault (2009, p. 133), disciplina são “métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade.”, Essa situação domesticadora tem suas origens nos conventos, nos colégios, nos exércitos e nas oficinas sendo que essa “modalidade implica numa coerção ininterrupta, constante, que vela sobre os processos da atividade mais que sobre seu resultado e se exerce de acordo com uma codificação que esquadrinha ao máximo o tempo, o espaço, os movimentos.” Esta questão está diretamente ligada as relações de poder, de que o que o poder faz é reprimir certas tendências consideradas nocivas à pessoa e ao convívio social.
A disciplina por ele conceituada “como uma forma de dominação e de exercício de poder nos espaços sociais menores, cuja organização não é garantida, no seu cotidiano, pelas leis maiores”, permite, nestes locais, o “controle” do corpo e da alma, isto é, do comportamento integral dos que neles se encontram. Neste caso a disciplina pode ser concebida como uma técnica de exercício de poder, Não inteiramente inventada, mas elaborada em seus princípios fundamentais durante o século XVIII. Nesse sentido, falar de indisciplina é evidenciar o não cumprimento de regras estabelecidas. Tal percepção pode ser evidenciada no cotidiano escolar, através das formas ineficazes com que os educadores lidam com os alunos, considerados por eles, indisciplinados. De maneira geral, as atitudes tomadas, numa relação vertical, revelam uma forma de dominação e de exercício de poder.
Atualmente, apesar dos esforços que os educadores compromissados com a integração dos processos educacionais na busca da libertação do ser humano e das diversas propostas para a transformação da escola em um espaço que atenda a esses propósitos, muito do que se apresenta nos estudos de Foucoult, ainda estão presentes na prática das escolas
Para o sucesso do poder disciplinar no exercício da disciplina conforme anteriormente conceituado, torna se necessário o estabelecimento de mecanismos constantes e aperfeiçoados de controle e vigilância, dentre os quais salientamos alguns: (Cf,FOUCAULT,p.165 a 180)
A vigilância hierárquica, instrumento de vigilância que é favorecido pela organização, cujo exercício da disciplina supõe um dispositivo que obrigue pelo jogo do olhar, na qual o poder de coerção é distribuído a muitos indivíduos, de modo que o controle é exercido continuamente. Assim é que diretores, pedagogos, professores entre outros recebem delegação de poder e complementam-se na tarefa de vigilância, de denúncia de irregularidades e até mesmo em face de atuação a elas. Forma-se assim uma pirâmide de controle que permite a constância e a eficácia na identificação de todas as possíveis contraposições à ordem estabelecida, graças à atuação dos próprios vigiados e controlados. Com o avanço das tecnologias, hoje outros dispositivos são usados para o controle dos indivíduos, permitindo acompanhamento perfeito daquele que domina sobre os movimentos corporais do dominado, numa relação de poder. Muitas escolas instalam câmeras para este controle, mais uma das técnicas das vigilâncias múltiplas e entrecruzadas, dos olhares que vê sem ser visto.
A sanção normalizadora: com função de manter uma linha de controle conforme as normas estabelecidas é uma prática que trata das micropenalidades e de “um pequeno mecanismo penal” que funciona repressivamente em relação ao tempo (atrasos, ausências, interrupções), às atividades (desatenção, negligência, falta de zelo), à maneira de ser (grosseria, desobediência), ao corpo (atitudes incorretas, sujeira), e à sexualidade (imodéstia, indecência). Diz respeito às mais tênues das condutas penalizáveis dos indivíduos indiferente do aparelho disciplinar. Como sanções aos que não cumprirem as normas estabelecidas, utiliza-se de privações, humilhações, chantagens, advertências, transferências. Isto se estabeleceu como, um normal que funciona como princípio de coação.
O exame: uma combinação das técnicas que vigia e da sanção normalizadora, permite qualificar, classificar e punir, onde está comprometido todo um campo de saber, todo um tipo de poder. Na escola o exame é ininterrupto, acompanha em todo seu comprimento a operação do ensino. Dele se espera a comparação de cada um com todos, que permite ao mesmo tempo medir e sancionar. Garante a passagem dos conhecimentos do mestre ao aluno, permite ao mestre ao mesmo tempo em que transmite o seu saber, levantar um campo de conhecimentos sobre seus alunos numa verdadeira e constante troca de saberes. Para a maioria dos educadores, infelizmente, disciplina é,entendida como a descrita acima, ou seja, é entendida como adequação do comportamento do aluno àquilo que o professor deseja em uma hierarquia de poder. Considera-se ainda que, disciplina é o comportamento do aluno previamente esperado pelo professor.
A questão que poderia ser colocada é a seguinte: que comportamento deseja o professor?
Para enriquecer nossos estudos recorremos à leitura que Simon, Damke e Torres faz do que Garcia pontua sobre o termo disciplina

Analisando o que seja o termo disciplina, Garcia (2006, p. 70) realiza uma leitura etimológica da palavra “disciplina” e encontra, primeiramente, “duas matrizes possíveis de significado”. Uma advinda de discipulus “aluno, discípulo” e interpretada como “um indivíduo que se apropria de algo que lhe está sendo mostrado e indicado — daí o sentido de discípulo como aquele que aprende”. Sendo assim, o discípulo, quando se apropria de algo ensinado, é capaz de mudar de lugar, mas com um crescimento agregado a si e, dessa forma, é que ele se desloca para outro patamar. Essa mudança de lugar será direcionada pelo ensino e o professor ocupará uma posição de destaque, pois é ele quem lidera e guia este trajeto.
A segunda matriz etimológica, também de origem latina, possui o elemento de composição disc-, do verbo disco, que significa “aprender, ensinar, tornar-se familiarizado”, guardando “relações com os termos educar e docência, com os quais compartilha um sentido de transformação” (GARCIA, 2006, p. 70).
Ainda na visão etimológica, apontamos que o termo “disciplina” no período medieval relacionou-se com a idéia de “castigo”, “punição”. Apenas mais tarde, a disciplina aparece como “ramo do conhecimento”, ou seja, enquanto uma unidade curricular que deve ser ensinada e aprendida, como a Matemática, a História e a Geografia. Além disso, o entendimento associa-se, posteriormente, à noção de “controle” sobre a conduta (GARCIA, 2006, p. 52-57).
Como decorrência, os padrões estabelecidos para a disciplina do aluno, assim como os critérios adotados para identificar a indisciplina guardam relações com a noção de controle sobre a conduta e, não obstante, aludem a indisciplina enquanto uma conduta, um comportamento. Essa visão, ainda que tenha sofrido mudanças ao longo do tempo e tenha se diferenciado no interior da dinâmica social escolar, está presente entre os sujeitos escolares e precisa ser superada. Conforme Garcia (2002), o conceito de indisciplina enquanto “problema de comportamento” precisa ser superado e “assim devemos considerar outras dimensões além da comportamental, para englobar os diversos aspectos psicossociais envolvidos neste fenômeno”.

Para De La Taille (1998, p. 10), a compreensão do conceito de indisciplina é decorrente da nossa conceituação do que vem a ser a disciplina. Para o autor, se compreendermos a disciplina por

[...] comportamentos regidos por um conjunto de normas, a indisciplina poderá se traduzir de duas formas: 1) a revolta contra estas normas; 2) o desconhecimento delas. No primeiro caso, a indisciplina traduz-se por uma forma de desobediência insolente; no segundo, pelo caos dos comportamentos, pela desorganização das relações. . (DE LA TAILLE, 1996.p.10).

Ao considerar essa conceituação, o autor leva os profissionais da educação a uma reflexão da sua própria prática pedagógica, pois se os alunos se revoltam contra as regras, é necessário saber o porquê desta revolta, de onde ela vem, qual a razão. Se essa revolta está ligada a prática do professor, se aos conteúdos que nem sempre são significativos, ou a forma como se está construindo o conhecimento e ainda se esta revolta está relacionada a outros fatores externos a sala de aula, ou a administração da escola (autoritarismo, ausência de diálogo etc.).
Por outro lado se compreendermos que a indisciplina é uma conseqüência do desconhecimento das regras da escola. É preciso entender porque os responsáveis pela administração da escola (diretor, equipe pedagógica, professores) compreendem a indisciplina como sendo a quebra de regras se ela não oferece oportunidade da comunidade (pais e alunos) construírem as regras da escola coletivamente, ou se elas simplesmente não apresentam regras para o bom convívio e aprendizagem. Então porque supõe que alunos e pais conhecem tais regras esperando que se manifestem comportamentos adequados, disciplinados?
Ambas as reflexões propostas por De La Taille culminam no olhar sobre a indisciplina nas práticas escolares (Como as regras são construídas ou apresentadas? Elas são apresentadas ou os professores supõem que os alunos as conhecem?), Sobre o coletivo (como são formuladas as regras e sanções dentro do ambiente escolar? Quem participa dessa formulação?) e sobre a percepção de cada membro da equipe escolar sobre o que vem a ser indisciplina escolar. (Qual é?)
Analisando a complexidade do tema, De La Taille (1998, p. 10) afirma que “[...] a disciplina é bom porque, sem ela, há poucas chances de se levar a bom termo um processo de aprendizagem”, mas questiona a maneira como ela pode se dar. Se “[...] a rigor, a disciplina em sala de aula pode equivaler à simples boa educação: possuir alguns modos de comportamento que permitam o convívio pacífico”, sem se preocupar com a causa que poderá ser por medo de castigo, por conformismo. Ao aluno disciplinado não se questiona a causa seu comportamento é tranqüilo, aceitável. Isto é desejável?
Para o Psicólogo Yves de La Taille, a escola deve investir em formação ética no convívio entre os alunos, professores e funcionários para vencer a indisciplina.
Ele defende que:

[...] se deva trabalhar com as novas gerações ajudando as a construir valores, a pautar seus comportamentos por regras, a situar-se além e aquém de certos limites [...] a escola ajude a formar pessoas capazes de resolver conflitos coletivamente, pautados pelo respeito a princípios discutidos pela comunidade. O caminho para chegar lá passa pela formação ética – não necessariamente como conteúdo didático, mas principalmente no convívio diário dentro da instituição. (DE LA TAILLE,2000.p.09 e 22).

Em um estudo sobre Limites Taille coloca que para resolver todo “mal estar” ético que vivemos hoje a solução seria “a necessidade, reivindicada por muitos, de retomar a discussão do contrato social entre os indivíduos, discutir valores e princípios e incluí-los claramente nos projetos educacionais” (Taille,2000, p. 7).
“Limite”, sendo uma palavra, hoje usada constantemente, não só na escola como também na família e em todas demais relações sociais, a qual está diretamente ligada ao fenômeno da indisciplina, dirigida com maior ênfase à criança, e aos jovens, Taille apresenta as conseqüências da sua ausência e as dimensões que ela abrange afirmando que,

[...] com maior frequência, “limite” não deve ser pensado apenas como ponto extremo, como fim, como limitação, [...] limite significa também aquilo que pode ou deve ser transposto. Toda fronteira, todo limite separa dois lados. O problema reside em saber se o limite é um convite a passar para o outro lado ou, pelo contrário, uma ordem para permanecer de um lado só. Ora na vida, e na moralidade, as duas possibilidades existem: o dever transpor e o dever não transpor. (DE LA TAILLE, 2000, p. 12)
 
Ainda escreve sobre o que é permitido e o que é proibido, define “limite como sendo a fronteira que não deve ser transposta, a demarcação de um domínio que não deve ser invadido”. (DE LA TAILLE, 2000 p. 51).
Em sala de aula, isso é extremamente importante, pois é dentro dessa dimensão que o “limite” delimita onde o direito de um termina para começar o do outro. “O sentido restrito da palavra “limite” nos coloca de chofre no grande tema humano que é a liberdade. Não transpor determinados limites é sujeitar-se a uma imposição, seja física ou normativa”. (DE LA TAILLE, 2000 p. 51).
Diante do exposto, o papel da escola também passa a ser o de ensinar a ter limites, ninguém nasce com ele. É na convivência que se aprende. Daí o grande mal da indisciplina presente na escola e na sociedade, ambos não estão cumprindo com seu papel, o de “educar”.
Silva (2004) discute sobre a definição da indisciplina enquanto ruptura com as regras estabelecidas. O autor defende a idéia de que uma das causas do fenômeno da indisciplina esteja relacionada, entre outras, à quase absoluta consideração de regras e valores morais, portanto a indisciplina seria produto do fato de os alunos não terem como valor central em sua personalidade o respeito ao outro. Assim,

 O termo indisciplina quase sempre é empregado para designar todo e qualquer comportamento que seja contrário às regras, às normas e às leis estabelecidas por uma organização. No caso da escola, significa que todas as vezes em que os alunos desrespeitarem alguma norma desta instituição serão vistos como indisciplinados, sejam tais regras impostas e veiculadas arbitrariamente pelas autoridades escolares (diretores e professores), ou elaboradas democraticamente. (SILVA, 2004, p.21)

Compreende-se aqui que a quebra do contrato das normas, seja ela construída coletivamente ou imposta pela escola, leva a denominação de indisciplina sem se quer pensar em causas, motivos que justifique o ato infracional do aluno perante as normas estabelecidas, uma vez que os alunos não priorizam os valores que a escola quer passar.
Aquino (1996) leva-nos a perceber a complexidade do tema (in) disciplina, e até mesmo, a sua ambigüidade. Define indisciplina como sendo um “fenômeno” que se dá na inter-relação (professor/aluno/escola) cuja relevância não é nítida. De difícil abordagem. Classifica-a como inimigo número um do educador atual. Pondera como algo que ultrapassa o âmbito estritamente didático-pedagógico que passou a configurar um problema de cunho interdisciplinar, transversal à Pedagogia, tornando-se um obstáculo pedagógico. Considera a indisciplina como “um sintoma de outra ordem que não a restritamente escolar, incapaz de gerir e administrar novas formas de existência social concreta, que surgem no interior das relações educativas diretamente ligadas a esse trabalho” Para ele é mais um entrelaçamento imediato, uma interpenetração em torno das diferentes instituições que define a matriz social e a supra-institucional, que a todos submeteria.
Segundo o autor (1996, p. 41) “a análise transversal ao âmbito didático-pedagógico em relação à indisciplina, dá-se sob dois olhares distintos: um sócio-histórico, tendo como ponto de apoio os condicionantes culturais, e outro psicológico, rastreando a influência das relações familiares na escola”. Isto é, de um lado temos a construção do ser humano num ambiente social que exige a sujeição a um sistema de regras que norteiam o seu relacionamento com seus semelhantes e de outro temos o ser humano como membro da família que exerce forte influência no comportamento dos indivíduos em face de amadurecimento emocional, o qual depende das experiências emocionais anteriores, ou seja, aquilo que foi experimentado na infância desempenha importante papel durante os anos de adolescência.
Mais adiante Aquino define:

[...] Indisciplina é mais um dos efeitos do entre pedagógico, mais uma das vicissitudes de relação professor-aluno, para onde afluem todas essas “desordens” [...] A relação professor-aluno torna-se, assim o núcleo concreto das práticas educativas e do contrato pedagógico – o que estrutura os sentidos cruciais da instituição escolar. (AQUINO, 1996, p.49).

Estudo realizado por Rebelo (2002) apresenta reflexões acerca do significado de (in) disciplina escolar no qual ela faz uma associação do fenômeno da indisciplina à concepção Bancária de educação, apresentando como proposta de superação a concepção problematizadora, ambas imbuída dos pensamentos de Paulo Freire, que possuem posturas bem antagônicas. Neste estudo a autora mostra que é possível desenvolver ações que valorizem os interesses pessoais dos envolvidos na problemática na perspectiva da emancipação de nossas crianças e jovens.
Para entender a complexidade em que se dá esta relação, recorro aos escritos de Paulo Freire em Pedagogia do Oprimido que trata da educação bancária, a tradicional, a que ainda vemos muito em nossas escolas, e da educação problematizadora, a qual seve a libertação, a humanizadora onde valoriza a relação dialógica entre educador-educandos.
Na educação bancária Freire (2005, p. 68) considera,

a)     o educador é o que educa; os educandos, os que são educados;
b)    o educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem;
c)     o educador é o que pensa; o educandos, os pensados;
d)    o educador é o que diz a palavra; os educandos, os que escutam docilmente;
e)     o educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados;
f)     o educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos, os que seguem a prescrição;
g)    o educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão de que atuam, na atuação do educador;
h)     o educador escolhe o conteúdo programático, os educandos, jamais ouvidos nesta escolha, se acomodam a ele;
i)      o educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, que opõe antagonicamente à liberdade dos educandos; estes devem adaptar-se às determinações daquele;
j)      o educador, finalmente, é o sujeito do processo; os educandos, meros objetos. (FREIRE, 2005, p. 68)

Na educação problematizadora, cuja concepção, educar é um ato de amor, de respeito, por isso se deve dar através do diálogo em um processo educativo libertador

[...] o educador já não é o que apenas educa, mas o que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os “os argumentos de autoridade” já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas. FREIRE (2005, p.79).
Oliveira (2005) defende um conceito de indisciplina democrático, como resultado de um consenso, uma disciplina que promova a autodisciplina. Numa visão democrática em oposição a uma visão autoritária, cujo entendimento está nitidamente ligado a concepção de educação e do tipo pessoa que quer formar.
Corroborando para o entendimento Vianna (1989) propõe discutir o significado de disciplina participativa na escola a partir da realidade concreta do Planejamento Participativo, cuja estratégia de trabalho é caracterizada pela participação de todos, sendo que “a disciplina é enfocada como uma realidade – participativa, comunitária, política, criativa – que possa facilitar a solidariedade, a conscientização e a politização dos envolvidos, transformando-se, dentro de nosso contexto político e cultural, numa proposta eminentemente desafiadora.”
Em concordância com Rebelo (2002, p.53) podemos concluir que “a disciplina pode ser controle ou libertação do homem, da mesma forma que a indisciplina pode ser desobediência ou denúncia; tudo depende do nosso ponto de vista ao olharmos o mundo.”
Como se vê, mesmo entre os estudiosos não há unanimidade quanto ao significado de indisciplina/disciplina. Há de se ter prudência na aplicabilidade do termo em si, visto que confusões quanto ao seu sentido e aplicação têm causado muitas dúvidas.
Assim, assinalamos para uma reflexão dos conceitos aqui apresentados para que os professores possam tirar suas próprias conclusões e poderem se identificar em qual conceito se baseia na sua prática pedagógica.

2.1    REFERÊNCIAS


AQUINO, Julio Groppa. Indisciplina: O Contraponto das escolas Democráticas. —São Paulo: Moderna, 2003.

AQUINO. J.G Indisciplina na Escola, Alternativas Teóricas e Praticas: 15ª edição. São Paulo: Summus Editorial. (1996).

CALDAS AULETE, Mini dicionário contemporâneo da língua portuguesa – Conselho Editorial dos dicionários, Editor responsável Paulo Geiger, apresentação Evanildo Bechara – R J: Nova Fronteira, 2004.

GAMA KURY, Adriano. Mini dicionário GAMA KURY da língua portuguesa, Organização Ubiratan Rosa – São Paulo: FTD, 2001

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXl. Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido – Rio de Janeiro, Paz e Terra, ed. 44 2005.

FOUCAULT, Michel (2009. P. 154). Vigiar e Punir: 37. ed. Petrópolis, RJ: Vozes.

OLIVEIRA, Maria Izete de Indisciplina Escolar: determinações, conseqüências e ações. – Brasilia: Liber Livro Editora, 2005.

REBELO, Rosana Aparecida Argento. Indisciplina Escolar: Causas e Sujeitos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

ROSSINI, Maria Augusta Sanchs. Pedagogia Afetiva -- Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
SIMON, Ingrid; DAMKE, Anderleia; TORRES, Renato. Indisciplina escolar: Notas de uma Análise Conceitual. Texto publicado no Google.

 SILVA, Nelson Pedro. Ética, Indisciplina & Violência nas Escolas. —Petrópolis, Vozes, 3ª ed. 2004.

 VIANNA, Ilca Oliveira de Almeida, A disciplina Participativa na Escola: um desafio a todos os brasileiros. In: D’Antola, Arlette (Org) Disciplina na Escola: Autoridade versus Autoritarismo. Temas Básicos de educação e ensino. São Paulo: EPU, 1989.

Este texto faz parte do Caderno Temático produzido no Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE. Secretaria de Estado da Educação – SEED. Orientador UENP: Professor Dr Maurício Gonçalves Saliba